9.1.07

Reino de bobos

Disseram por aí que há muito tempo, em um reino desconhecido, um fato curioso ocorreu. Desses que se contam nas historinhas para ninar adultos.
Naquele reino havia um Bobo. Isso mesmo! Daqueles com chapéu de estrelas e roupas multicoloridas, e que teimava em não ser engraçado. Ele dizia em todos os cantos: “Eu já sou bobo, por que ainda tenho que ser engraçado?”.
Sendo ou não sendo engraçado, ao menos o Rei estava satisfeito. Passava o dia tirando sarro do Bobo enquanto este, por sua vez, demonstrava não ter senso de humor. O Bobo queria mesmo eram roupas de seda chinesa, jantares na mesa real e privilégios sexuais com as cortesãs.

Eis que um dia o Bobo começou a dar ordens aos súditos. Dizia ter influência e o respaldo do Rei. Ele vinha andando e apontando para os colonos: “Hei você! Vire dez cambalhotas duas vezes por dia aqui no parque: ao amanhecer e ao anoitecer. É uma ordem para aumentar a alegria do reino.”, ou então: “Você e sua linda esposa dançarão todos os dias ao bater das 17h em frente ao palácio real.”, “e você outro! És responsável pela música desta dança.”.
Em pouco tempo o reino inteiro estava fazendo bobagens ao menos alguma hora do dia. O Bobo tinha até escritório agora. Vinham-lhe reclamar de dores nas costas, que não conseguiam mais plantar bananeiras, e o Bobo trocava sua bobagem: “não tem problema, todas as vezes que passares em frente ao palácio deverás girar em torno de si mesmo com os braços abertos”.

O Bobo logo ficou tão ou mais famoso que o Rei. Quem não aceitava suas bobagens ia para a “lista negra da tristeza”, ferramenta que o próprio Bobo criara. No final do mês os indivíduos da lista eram submetidos a sessões de tortura e tristeza, carregar caixão no velório, ficar sem ver o Sol por dias. E ai de que não se arrependia.
Na medida em que todos foram se acostumando com as bobagens, ficava muito mais fácil a tarefa. O Bobo ganhara respaldo popular, o poder. Lembro até que certa vez um dos carrascos oficiais do reino tinha ficado deprimido pois o Bobo fazia tempos que não passava nenhuma tarefa nova para ele.

“O reino mais alegre do mundo!” Gritou o Rei quando acordou naquela manhã bonita. E completou: “Mandem o Bobo para a forca!”.

“Mas por quê?” perguntou um de seus súditos.

“É que ele, de bobo não tem nada...”

9.12.06

Rede

Estava o homem a puxar sua rede.
Pesada como estava "só poderia ter um milhão de peixes" pensava.

Ora pois que chegou de surpresa um jovem simpático de cabelos vermelhos, todo vestido de azul, e deu uma risada engraçada. Ele já tinha visto que o homem puxava a rede fazia tempo, e, agora, decidiu ajudá-lo.
Segurou na corda atrás do homem e fez de conta que fazia força enquanto motivava ferozmente: “Vamos! Vamos! Mais um pouco! Tá quase! Lá vem! Tem um milhão de peixes!”.

Finalmente a rede veio à areia. Num pulo o baixinho disse: “Como ajudei-te, nada mais justo que tu fiques com o que sobrou e eu fique com todo o resto!”.
Mas, sentindo-se enganado e sem respirar o homem berrou: “Peraí! Chegaste tarde, tu ficas com o que sobrou! Eu fico com o resto!”.

Moral 1: Tem gente que realmente não pensa antes de falar.
Moral 2: Nunca tente negociar com o Pica-Pau.

A Inveja e a Cerveja

Mariana amava Raul, ou amava tanto que queria estar sempre com ele. Na verdade Mariana invejava Raul, ou invejava tanto que queria ser como ele.
Mariana era do mar. Raul, do ar. Deslizar nas ondas e nadar com os peixes ou voar como pássaros num céu azul? E Mariana, insatisfeita, tinha também que voar.
Falou com Raul que lhe perguntou? “Mas como Mariana deixaria o Mar?
Mariana mudou de nome. Passou a chamar-se Ariana. Feliz da vida agora iria para o ar, sentir o vento.
“Mas como uma mulata tão linda, dourada e brasileira, poderia ser uma ariana?”

Ariana amava Raul, e queria ser como ele.
Por outro lado Raul invejava Mariana, pois a danada lutava e tanto até conseguir o que queria. E ela queria amar. Raul queria ser como ela. Mas não conseguia.

Ariana mudou de nome. Passou a chamar-se Ana. “Mas Ana de quê?”.
É mesmo, toda Ana tem um segundo nome. Ana Cristina, Ana Amália. Ela era Ana do Nada ou melhor, Ana, de Mariana. Mas não daria mais, agora ela era do ar.
E no auge da sua inveja, entrou no bar para tomar sua cerveja. E Raul também estava lá, tomando sua cerveja, aos beijos com um belo rapaz. Mulato também. Um exímio espécime.
Hoje, Ana, de Mariana mudou de nome. Chama-se Raul.
Ah! E não ama mais o infeliz. Afinal, ela não queria tanto ser o Raul?

9.11.06

Desvirtude conceitual

Ele não parava um só minuto: “Por que?”. Eu respondia “por que não?”.
Em seguida perguntava: “Como?”, mas como não? E não tardava e perguntava “Quando?”, para ouvir “não espere não”.
E se me diz “Pare”, eu não paro não, mesmo que diga “Morra!”, eu sinto muito, mas chato não morre.
É a desvirtude conceitual do indivíduo otimista: ser negativo e provocativo.

23.10.06

Coisa de gente grande

Nasceu na beira do mar e, ainda no alvorecer de sua infância, ganhou um calção. Por horas a fio, pôs-se a nadar. Primaveras, verões e inclusive gelados invernos ele treinou, braçada por braçada, aperfeiçoando-se.
Aprendeu a nadar. E era só o que fazia: nadava naquele mar de veludo, com as gaivotas, com os peixes, com tudo o que se mexia. Como as ondas ele aprendeu a nadar. E nunca haveria de esquecer.
Cresceu e ganhou um pé-de-pato, queria mergulhar. Na sua adolescência tardia aprendeu a arte de olhar debaixo da água, a prender a respiração, a interagir com aquele habitat tão diferente e surpreendente. E tudo que fazia agora era nadar e mergulhar, e nunca haveria de esquecer.
E só nadava e mergulhava desde então. Mas, aos 18 anos, ganhou um arpão. E na primeira manhã, às 9 horas, aprendeu a matar. “Como isso é fácil de fazer?”, pensava.
Hoje ele sabia nadar, mergulhar e matar. Difícil foi só de esquecer, pois matando aprendera a morrer. Coisa de gente grande.

18.10.06

O homem que tudo queria

Tinha tudo o que queria, e queria tudo o que via.
Passava o dia observando o redor. Se alguém tinha uma roupa bonita, ele a queria, se desfilassem uma bolsa da moda, ele comprava.
Mas não via só o que podia comprar... pois passava o dia observando o redor. Se alguém tinha uma nova namorada, ele precisava tê-la, se outro alguém conseguisse uma promoção no trabalho, ele tinha que tê-la também, ou ao menos fazer com que esse outro a perdesse, tanto faz.
Tinha tudo o que queria, e queria mais do que podia. E para isso dizia ter dinheiro, e ele compra tudo, não compra? Ele queria a felicidade do amigo, a beleza do surfista, a inteligência do professor, a destreza do pára-quedista.
Fazia tudo o que queria, e queria tudo o que via, mas não via tudo o que fazia. E por não ver tão assim, confiante, atravessou na contra mão.
“Aqui jaz um homem que só queria ser notado”, mas que, no final, só os vermes choraram quando ele acabou.

16.10.06

Rosa

“Uma flor, eu quero uma flor.” - falava bicuda, aquela moça tão bela no meio da rua de barro longe da capital.

Chamava-se Rosa e bem sabia que, atrás de uma moça bonita, muitos homens esperando momentos de ganhar um sorriso.
E vinham de todos os lados, de cima e de baixo, com lírios entre margaridas e acácias. Ela tinha de tudo o que pedia e hoje, como sempre, queria uma flor.

O portador da flor mais linda era presenteado com um beijo. No rosto, é claro, e um sorriso, afinal. Quem não queria um beijo de Rosa, ela só queria uma flor.

E Rosa era esperta. Cada dia escolhia a flor de um diferente galanteador. Assim tinha todos não tendo ninguém. Só a flor do pobre lavrador ela não escolhia.
Por mais que fosse a mais bela e suntuosa orquídea, ou um crisântemo gigante com tulipas escandinavas, Rosa não escolhia. Tinha asco do lavrador, babão e molenga, com olhos brilhantes que só tem quem está apaixonado. Além disso, não tinha dinheiro para cobrir as pretensões de Rosa. Só tinha a mais bela flor.

E Rosa era esperta, e foi para a cidade. Lá, com certeza, conseguiria dinheiro e muito mais flores e galanteadores.
“Uma flor, eu quero uma flor”, e ninguém atendia. Mas ela não desistia, “Uma flor, ao menos uma flor...”. Os dias passaram e o dinheiro acabou, e ninguém escutou. Teria que retornar para sua rua de barro.

Mas chegando lá, tudo mudara, Rosa não era mais a bela do jardim, e, no lugar dela, muitas outras flores, outrora botões, abriram-se e brilhavam. Só o lavrador, a ela, deu atenção.
“Lavrador, dá-me uma flor. Uma flor, eu quero uma flor...”
“Claro Rosa, minha deusa, minha musa, meu jardim, minha Babilônia. Cá está a mais bela das belas, só superadas pela sua beleza... São 20 reais.”

14.10.06

Quem dera

quem dera
pudesse escrever
algo tão bom de ler
ou como Baudelaire
sair da rotina e me ...